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O acendedor de lampiões

Brasil: será que « Índio não quer terra, quer dignidade »?

12 Mai 2019 , Rédigé par David Brites Publié dans #Democracia, #Identidade, #Brasil, #História, #Ecologia

Logo em Fevereiro de 2018, bem antes do lançamento oficial da campanha eleitoral, Jair Bolsonaro, já candidato à presidência, tinha anunciado que, « se assumir [o poder], não tem 1 centímetro quadrado para terra indígena ».

Aquele que, desde aquela altura (a tomada de posse realizou-se oficialmente em 1 de Janeiro de 2019), tornou-se chefe du Estado da primeira potência latino-americana, acrescentou então, num monólogo memorável em conferência de imprensa: « Você tem que integrar o Índio à sociedade. Eu estive em Roraima vendo os problemas lá. O Índio quer energia elétrica. Quer um dentista para arrancar o "troco" de dente, lá da boca dele. Ele quer um médico para curar uma doença. Ele quer ver televisão. Quer jogar futebol. Quer vir no cinema. Ele quer plantar soja também, plantar arroz. Ele quer... Ele quer ser alguém, tá? Ele precisa disso. E não o governo via ONGs, via FUNAI [Fundação Nacional do Índio] muitas vezes. […] Nós temos um Índio presidente da Bolívia. Por que é que nosso Índio aqui tem que estar confinado numa terra indígena? […] Eu não tenho obsessão. Eu tenho o que os outros não têm: eu tenho o povo comigo e Deus no comando. »

Um discurso então partilhado por Twitter pelo Eduardo Bolsonaro, o próprio filho do atual presidente, que acrescentava esse comentário: « Índio não quer terra, quer dignidade para não ser isolado como bicho de zoológico. » O discurso levado pelos Bolsonaro ilustra muito bem a visão de uma certa direita brasileira em relação às terras indígenas, e em geral a relação de muitos Brasileiros com as comunidades indígenas e o modo de vida dos Índios.

Sobre um afluente ao sul do rio Amazonas, no Estado de Amazonas.

Sobre um afluente ao sul do rio Amazonas, no Estado de Amazonas.

Índio guarani, no Estado de Rio de Janeiro.

A luta pelos direitos indígenas: um caminho sem fim

Por lembrança, o princípio de terras reservadas (terras indígenas) em sua versão moderna foi – depois do surgimento desde os anos 1950-1960 de formas de preservação dos espaços indígenas (ainda bastante fracos) – estabelecido no Brasil nos anos 1980, no crepúsculo da ditadura militar. Várias medidas, muitas vezes totalmente anedóticas, tinham sido adoptadas no passado para fornecer alguma forma de proteção (de protetorado, podemos dizer) aos Índios, ou pelo menos para enquadrar a situação deles, mas nenhuma desse tipo e com esse magnitude. Além disso, em 1973, as disposições do Estatuto do Índio os colocaram sob a tutela do Estado, como cidadãos de segunda classe considerados menores, irresponsáveis. Um direito de « posse permanente » sobre as terras que ocupam desde tempos « imemoriais » é teoricamente concedido, excluindo o subsolo, mas o Estado federal, garante da efectividade desses direitos como proprietário das terras, será particularmente negligente com suas próprias regras, de acordo com os interesses econômicos do momento.

A Constituição de 1988 contém um capítulo que reconhece os direitos dos povos indígenas às terras que ocupam tradicionalmente, declaradas « inalienáveis e indisponíveis, e portanto sem qualquer possibilidade nenhuma de negociação ou consideração de interesses econômicos […] ou políticos […] ». A assimilação não é mais mencionada. De fato, a demarcação das terras indígenas, reconhecida pelo artigo 231 da Constituição, é um processo que ainda está em curso desde 1988. Com base em estudos cartográficos, ambientais, etnológicos e históricos, com o apoio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ela consiste em reconhecer os contornos da reserva, ao marcar os limites no terreno, a homologar-lo ao nível nacional… Um processo tornado laborioso pela interferência de interesses privados ameaçados, que desafiam certas decisões em tribunais, por exemplo propondo a criação de reservas ecológicas « com vocação econômica », ou negando a identidade indígena de certos povos.

Hoje, o Brasil tem entre 800 e 900 mil Índios que ocupam 672 « terras indígenas », sobre um total de mais de 100 milhões de hectares, ou seja 13% do território brasileiro. Por trás do termo « Índio », « nativo », « indígena », « Amerindiano », « ribeirinho » e « autóctone », existem, de fato, 215 etnias identificadas, usando 188 idiomas e dialectos. Acrescentam-se vários grupos que ainda não entraram em contato com o resto do mundo.

« Índio não quer terra, quer dignidade »: em uma frase, Eduardo Bolsonaro resumiu bem o pensamento do pai dele, agora presidente da República. O Índio não quer terra, ele quer dignidade. O Índio. Índio quer isso, Índio quer aquilo. Não nos atrasamos sobre o uso desse formula, « o Índio », essencialização característica de um olhar profundamente ocidentalo-centrado. Esta frase, analisada na sua integralidade, diz muito. Primeiro, que obviamente, os Bolsonaro não entendem o propósito das reservas de terras indígenas, cuja existência obviamente não visa a « cercar » as comunidades índias longe da civilização urbana com modo de vida ocidental. O objetivo é duplo.

Num dos barcos de ligação Manaus-Belém.

O Brasil: um Estado colonial não assumido

Em primeiro lugar, as reservas destinam-se a restaurar um pouco de justiça, tanto no ponto de vista histórico como fundiário. Enquanto muitos críticos explicam que « não é normal que 13% do território seja reservada para menos de 1% da população », o princípio de conceder uma primazia sobre a terra aos Índios não é por acaso. Simbolicamente, vem corrigir uma profunda injustiça que é a da colonização, da expropriação e da expulsão em massa, e muitas vezes de massacres, que têm sido vítimas as populações indígenas. Assegurar territórios « protegidos » aos Índios, é uma mensagem extraordinária para eles: é garantir-lhes que o processo de colonização de que foram vítimas dede a chegada de Pedro Álvares Cabral em 1500 até 1988 não continuará, pelo menos nesses 13% do território brasileiro.

De fato, há uma continuidade muito clara entre o Estado colonial português (1500-1822) e o Estado brasileiro desde 1822. Quando o Brasil proclama sua independência, é pela voz de Pedro I, o própri filho do rei de Portugal, que torna-se imperador do novo Estado – o mesmo é oficialmente proclamado rei de Portugal (sob o nome de Pedro IV) em 1826, e depois de ter abdicado do trono brasileiro em 1831 em benefício do seu jovem filho Pedro II, partiu para assegurar os direitos da sua filha Maria II à coroa portuguesa. De 1834 a 1853, datas do reinado de Maria II de Portugal, as duas monarquias foram lideradas por dois irmão e irmã, ilustrando os laços fortes entre os dois países. Depois da independência, a administração e as forças armadas brasileiras permanecem basicamente as mesmas do que antes. Desde 1808, Rio de Janeiro já era, de qualquer modo, a capital de facto da monarquia, formalmente proclamada Reino unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1815. A escravidão só será abolida no Brasil em 1888, ou seja, até esta data, a independência realmente diz respeito apenas à parte branca europeia da população – e a colonização do território continuou muito em zonas mal controladas, no floresta amazônica em particular.

Ainda na década de 1970, o Brasil iniciou uma política de desenvolvimento e de assentamento nas margens do país, que teve consequências desastrosas para a floresta. As estradas supostas facilitar a colonização do interior abriram, na verdade, caminho para a pilhagem de Amazônia. Em Rondônia, a população aumentou de 111 mil para 1,13 milhão de habitantes entre 1970 e 1991, mas no mesmo tempo 20% da floresta do Estado desapareceu. Nos anos 70, no norte de Amazônia e de Roraima, a construção da estrada BR-210 colocou brutalmente em contato as comunidades Yanomami, uma das maiores etnias du Brasil, com trabalhadores e outros estrangeiros. Resultado: faleceram do sarampo, da gripe e de doenças venéreas transmitidas pelos recém-chegados; várias aldeias desapareceram completamente. Em meados da década de 1980, uma caça pelo ouro arrastou 40.000 mineiros aos territórios dos Yanomami, poluindo os rios e destruindo a floresta. Em 1988, um projeto do governo, que faria perder a essa etnia uns 70% do seu território tradicional em benefício da mineração, foi abandonado mais tarde, mas teve mesmo assim consequências irreversíveis. Entre 1986 e 1993, quase um quinto da população dos Yanomami morreu, principalmente por doenças. Só em 1991, o Brasil cria (na esteira da Venezuela) uma Terra Indígena Yanomami; com uma superfície de 96.650 km², é o maior território indígena do Brasil. Esta relação de colonizador a colonizado permaneceu então até muito recentemente, e parece agora estar de volta.

Enquanto a população índia do Brasil é estimada entre 3 e 4 milhões de habitantes em 1500 (com pelo menos mil tribos diferentes), a escravidão, as doenças, os conflitos armados e a perca de territórios tiveram consequências terríveis. Os bandeirantes, aventureiros sem escrúpulos que assumiram a conquista dos territórios do centro e do norte do Brasil nos séculos XVII e XVIII, participaram ativamente do desaparecimento físico dos Índios; dum outro lado, os Jesuítas participaram muito à destruição cultural dos nativos americanos. No entanto, as evoluções políticas desde o restabelecimento da democracia são encorajadores, pois pela primeira vez em quase cinco séculos, a população indígena voltou a crescer. De 300.000 pessoas nos anos 1980, ela foi multiplicada por três em menos de 40 anos. Obviamente, as mudanças relativamente positivas das políticas públicas de planejamento do território e a criação das terras indígenas tiveram papel nesta situação.

A necessidade de preservar o meio ambiente

Segundo objetivo das terras indígenas: visam a preservar o ecossistema desses territórios. Seja dito de uma outra maneira: o Estado tomou em conta (supõe-se) a ameaça real que permanece sobre todos os Brasileiros em caso de desaparecimento total ou quase total das reservas florestais amazônicas (lembremos que a mata atlântica quase desapareceu em poucos séculos de ocupação do litoral). A mensagem é: o modo de vida das comunidades indígena é compatível ou até mesmo intrinsecamente ligado ao respeito dos ecossistemas amazônicos e, assim, a proteção estabelecida nos territórios indígenas serve ao mesmo tempo a fauna e a flora ali encontradas. De certa forma, a permanência dos Índios nesses territórios (e do modo de vida deles) tem um efeito « guarda-chuva » sobre a natureza; natureza que responde às necessidades dos mesmos Índios. Um círculo virtuoso.

Até no Cerrado, uma região de savana situada no centro do país, as terras indígenas configuram-se como ilhas de vegetação que conservam a biodiversidade, cercadas por extensas áreas desmatadas onde a desflorestação afetou o meio ambiente, aumentou as secas acabando com rios, e acentuando a erosão dos solos. Elas têm um papel essencial na conservação dos recursos hídricos locais, como é o caso do território da etnia Krahô, em mais de 300.000 hectares no nordeste do Estado de Tocantins. As terras do Parque Nacional do Xingu, o maior do Cerrado, enfrentam dificuldades relacionadas à contaminação das águas fluviais, sendo que a maioria das fontes está fora da área protegida.

Continuando no que escreveu Bolsonaro filho: « Índio quer dignidade », essa parte da frase nos diz outra coisa, desta vez sobre a visão de muitos Brasileiros a respeito do modo de vida indígena. Pois opor às terras indígenas à dignidade, como ele o faz, induz que, no estado atual, na sua reserva, « Índio » não tem dignidade. Isso reflete uma visão colonial profundamente euro ou ocidental-centrado, colonial, sobre os povos não-brancos, sobre a figura daquele que chamamos no passado o « bom selvagem ». Por trás dessa visão, encontramos tudo o que amamos: a ideia que a civilização, a verdadeira, moderna, progressista, só pode ser a nossa, conectada ao resto do mundo, globalizada. Que um modo de vida digno só pode ser ocidental, capitalista e consumidora – Bolsonaro pai disse muito bem: « O Índio quer energia elétrica. […] Ele quer ver televisão, Quer jogar futebola. Quer vir no cinema. » O Índio até seria um potencial produtivista: « Ele quer plantar soja também, plantar arroz. »

Dado o perfil evangélico do novo presidente, supõe-se que para os Bolsonaro, um modo de vida « digno » é associado à adopção pelos Índios da religião cristã. Aliás, uma representante da comunidade índia dos Munduruku (vale do rio Tapajós, no Estado do Pará), declarou, a ocasião duma audiência pública no Congresso nacional, questionando o deixar-fazer do governo neste assunto: « Os evangélicos estão introduzindo a nossa terra, para dividir o nosso povo, tirando a nossa cultura. Até tirar a nossa alma, a nossa alma! »

Jair Bolsonaro: um olhar colonialista e paternalista, ao serviço do mercado

Bolsonaro filho acrescentava, acabando a sua frase, que é preciso o Índio « não ser isolado como bicho de zoológico ». Os Bolsonaro, definitivamente, não entenderem os objetivos das terras indígenas. Pois existem problemas nas reservas, por falta de serviços públicos ou pelo nível de pobreza das comunidades – podemos duvidar que o modelo econômico liberal levado pelo Jair Bolsonaro pudesse de alguma forma corrigir essa realidade. Mas a existência de reservas não impede os Índios de as abandonar: elas devem proteger esses territórios das ameaças exteriores. Finalmente, voltamos novamente a um modelo de sociedade ocidental, com Internet, futebol, eletricidade… As comunidades indígenas nunca declaram-se « isoladas como bichos de zoológico » nas reservas. Mas talvez elas não querem tornar-se « seres humanos como nós, que querem evoluir » (Jair Bolsonaro, 2018)?

Essa visão puramente racista, que estabelece uma hierarquia na dignidade em função dos modos de vida (o modo de vida ocidental sendo visto no top na escala dos povos), é muito compartilhada no Brasil, e por isso, a vitória do Bolsonaro nas últimas eleições traduz a permanência duma mentalidade de tipo colonial, desde o cidadão lambda às mais altas esferas do poder. Essa postura não considera os Índios como adultos. « Você tem que integrar o Índio à sociedade », « Ele precisa disso », é uma forma pronunciada de paternalismo, com, cereja no topo do bolo, essa dimensão: « Ele quer… Ele quer ser alguém, tá ? » Faz lembrar o discurso famoso do presidente francês Nicolas Sarkozy que, em 2007 em Dakar, tinha dito a estudantes senegaleses que o « Homem africano não entrou suficientemente na História », fechado numa « ordem imutável », oposto ao « Homem moderno ». Igual para o Índio com o olhar do Bolsonaro. Pois por enquanto, segundo a família Bolsonaro, o Índio não é ninguém...

No rio Amazonas, no Estado de Amazonas.

No rio Amazonas, no Estado de Amazonas.

A emergência: reconsiderar a relação das sociedades humanas à natureza

Em todo lugar, aqueles que são chamados de « povos indígenas » nos convidam a reconsiderar nossa visão da natureza, para a olhar não como uma propriedade, mas como um ator jurídico. O conceito de « Floresta viva » supõe uma cosmovisão através da qual a terra, o cosmos, os seres humanos, os animais, a flora, as pedras, as montanhas, os lagos formam um tudo. Um tudo que constitui um equilíbrio. Sob a presidência de Rafael Correa, o Equador, onde as questões de proteção da natureza são fortes (com ameaças de investidores de petróleo), tornou-se o primeiro país do mundo a inscrever os direitos da natureza em sua Constituição, adoptada por referendo em Setembro de 2008. Em Março de 2017, estréia mundial, um rio considerado como sagrado pelos Maori, Whanganui (Te Awa Tupua em maori), foi reconhecido pelo Parlamento da Nova-Zelândia como entidade viva, um estatuto que terá como expressão concreta que os interesses do rio serão defendidos em processos judiciários por advogados. Segunda a lei, o rio é um ser vivo único, « indo das montanhas até o mar, incluindo seus afluentes e todos os seus elementos físicos e metafísicos ». No processo, a tribo local Maori também recebeu 80 milhões de dólares neozelandeses (52 milhões de euros) para assumir custas de justiça (depois de uma longa maratona judiciária), e 30 milhões de dólares NZ (19,5 milhões de euros) para melhorar o estado do rio; os moradores lutavam pelo reconhecimento de seus direitos no rio desde a década de 1870.

Embora de formo diferente, lembremos o estatuto especial do território antártico. Num contexto, no final do século XIX, caracterizado pela multiplicação das missões de exploração no mais meridional dos continentes, surge a necessidade de enquadrar a penetração humana neste território ainda virgem. Assinado em 1 de Dezembro de 1959 por 12 países (juntaram-se desde então muitos outros) , o Tratado de Antártica confere a esse território um estatuto único destinado à ciência, às ações pacíficas à preservação dos recursos naturais e à proteção da biodiversidade. A Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos em 1982, o Protocolo de Madrid em 1991 e os programas internacionais de pesquisa, como o Censo da Vida Marinha do Oceano Austral (2003-2010), ilustram o desejo dos Estados de perseguir os objetivos estabelecidos em 1959. O objetivo principal do Tratado é assegurar, no interesse de toda a humanidade, que a Antártica continue a ser usada exclusivamente para fins pacíficos e não se torna teatro nem assunto de disputas internacionais. Entender: que não se torna um objeto de exploração. Por que não imaginar futuras convenções inspirando-se dum tal modelo, negociadas com sinceridade entre Estados (ou mesmo no âmbito da ONU) compartilhando espaços de biodiversidade excepcionais como a floresta amazônica ?

Frente ao governo Bolsonaro, a resistência indígena organiza-se, de forma diversa, numa indiferença geral. Uma das grandes figuras índia do Brasil, rosto conhecido ao nível internacional, o chefe Raoni (cacique do povo Kayapo), hoje com 87 anos, começou hoje mesmo, chegando em Paris, sem ninguém prestar atenção à sua iniciativa, uma volta à Europa (tal como ele já tinha feito há alguns anos sobre o dossier da barragem Belo Monte) para denunciar as consequências do desmatamento. Ele espera em particular recolher um milhão de euros para proteger a reserva indígena de Xingu (Estado de Mato Grosso), onde morram várias comunidades autóctones, ameaçada pelo desenvolvimento da exploração florestal e pelas industrias agro-alimentares.

No final de Abril de 2019, aproximadamente 4.000 representantes tribais indígenas instalaram-se no coração da capital brasileira, em frente aos centros do poder emblemáticos, para uma mobilização anual, o Acampamento Terra Livre, que reúne desde 2004, cada ano, pelo menos umas centenas de pessoas. Enquanto numerosas forças policiais foram amplamente implantadas no centro de Brasília, com cordões de segurança instalados a cerca do sit-in, o presidente Bolsonaro falou de maneira desprezante com os manifestantes, que protestaram em vestidos tradicionais, com tatuagens e máscaras de penas muito coloridos, cantavam e apresentavam cartazes com: « Nossas terras são sagradas. Nenhuma extração mineira em nossos territórios », ou ainda: « Exigimos as demarcações de nossas terras ». Os representantes do Acampamento foram recebidos pelo Supremo Tribunal Federal; no congresso, os líderes indígenas participaram a audiências públicas e foram recebidas pelos presidentes da Câmara dos deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Se as instituições científicas e universitárias continuam mobilizando-se contra as reformas do setor ambiental e a regressão da política governamental no tal setor, o futuro parece bem obscuro para os indígenas, com a perspectiva de militarização das instituições encarregadas da preservação do meio ambiente (IBAMA, ICMBio...).

Por enquanto, em 23 de Abril, na véspera do Acampamento Terra Livre, uns aproximadamente 50 Índios brasileiros com penas e maquilhagem também manifestaram em Nova-York, aos gritos de: « A Amazônia não está à venda! » Apoiados por ativistas ambientais norte-americanos, entregaram uma petição de cerca de 12.000 assinaturas para a missão brasileira da ONU. A coordenadora nacional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), e ex-candidata à vice-presidência da República em 2018 (com o partido de esquerda PSOL), lembrou então a necessidade de o mundo ouvrir a voz dos povos indígenas, ameaçados pelos lobbies hidroelétrica, mineira, do agronegócio e do desmatamento. Uns dias antes, em uma entrevista à Agência francesa de imprensa (AFP), Vicky Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, declarou-se « muito preocupada » com a situação dos indígenas no Brasil, acrescentando, falando sobre as populações deslocadas na região Centro-Oeste do país por causa de plantações de soja: « Elas sempre foram objeto de violências dos serviços de segurança das plantações, mas elas são cada vez mais visadas pelas autoridades do Estado. » Além disso, ela apontou o papel das Igrejas evangélicas que « apoiam o presidente » e « que implantam-se em áreas habitadas por indígenas e voluntariamente isoladas, o que é a pior coisa que lhes pode acontecer ».

*   *   *

Concluiremos com este extrato da tribuna publicada em 10 de Abril de 2019, no jornal francês Le Monde, onde 14 representantes de povos indígenas, cheios do sentimento de responsabilidade a respeito à proteção da natureza, chamam a humanidade a um despertar salutar.

Nós, guardiões e filhos da Terra Mãe, povos indígenas e aliados, nossas profecias, nossa sabedoria e nosso conhecimento nos permitiram constatar que a vida na Terra Mãe está em perigo e que chegou a hora de uma grande transformação. Os povos indígenas sempre cuidaram da Terra Mãe e da humanidade. Representamos 370 milhões de pessoas em todo o mundo, espalhadas por 22% do planeta e cobrindo 80% da biodiversidade mundial.

Pedimos à humanidade que tome medidas para proteger o carácter sagrado da água, do ar, da terra, do fogo, do ciclo da vida e de todos os seres humanos, vegetais e animais. É vital transformar nossa abordagem com a natureza considerando-a não como uma propriedade, mas como um sujeito de direito, garante da vida. Em todo o mundo, os direitos dos povos indígenas e da natureza são violados, líderes indígenas são assassinados. Milhões dos nossos irmãos e irmãs foram mortos para tomar o controle de seus territórios e continua-se a nos destruir com belas palavras e dinheiro, essa maldição do mundo.

Chamada dos povos indígenas: « Desde a eleição de Jair Bolsonaro, vivemos o início de um apocalipse ». Le Monde, em 10 de Abril de 2019.

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