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O acendedor de lampiões

Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder

15 Novembre 2014 , Rédigé par David Brites Publié dans #Democracia, #Moçambique

Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder

« Eu voto Nyusi porque ele vai trazer mudança », diz esta vendedora de hamburgers, que memorizou perfeitamente os slogans dos cartazes que inundam a capital. « Mudança », é o que é suposto trazer o candidato do partido no poder, após sua vitória nas eleições de 15 de outubro. Um slogan engraçado, dado que a Frelimo controla todas as administrações, todos os ministérios, todas as empresas estatais, e governa o país há 40 anos. Outras frases choques vieram apoiar a campanha do candidato Nyusi, tais como: « Frelimo fez, Frelimo faz » ou « Nyusi com a juventude », « Vota Nyusi Vote, vota para o desenvolvimento », etc.

Nas eleições realizadas em 15 de Outubro, presidenciais, legislativas, provinciais, o « povo » moçambicano não se mobilizou muito. A abstenção ficou além dos 50%, e a fraude impactou claramente o resultado final, pelo menos para evitar uma segunda volta na eleição presidencial. Em 30 de Outubro passado, os resultados oficiais foram publicados: Filipe Jacinto Nyusi, candidato do partido no poder desde a independência (Frelimo), ganhou a primeira volta das eleições presidenciais com 57,03% dos votos, à frente de Afonso Dhlakama (Renamo) que reuniu 36 61% dos votos, e Daviz Simango (MDM) e os seus 6,36%. Os partidos respectivos obteram um resultado similar, nas eleições legislativas e provinciais. Análise de eleições que deviam ser as mais abertas desde 1994, data das primeiras eleições multipartidárias.

Estátua do presidente Samora Machel (1975-1986).

Por lembrança, Moçambique tornou-se independente em 1975, depois duma guerra de dez anos conduzida pela Frente de Libertação de Moçambique, a Frelimo. De 1975 a 1986, a presidência de Samora Machel foi marcado pela introdução de serviços públicos básicos, mas também pela criação de um regime marxista repressivo, pelo estabelecimento de uma burocracia que favoreceu uma corrupção que o próprio chef de Estado condenava, e, em termos de política estrangeira, pela oposição ao regime do apartheid na África do Sul. É importante guardar esses elementos em mente para entender a herança da Frelimo atual. A Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) nasceu em oposição à Frelimo. Inicialmente um grupo armado antes de se converter num partido político, esse movimento lançou o país numa guerra civil terrível, em 1977. Liderada desde 1979 por Afonso Dhlakama, a Renamo recebeu apoio dos ex-colonizadores portugueses, dos Estados Unidos, da África do Sul e de outros países vizinhos de Moçambique.

Com 900 mil mortos e cinco milhões de deslocados, o conflito terminou em 1992. Enquanto isso, a Frelimo abandonou a doutrina marxista (1989) e a Constituição foi alterada para permitir um sistema multipartidário e permitir a liberdade de expressão (1990). Desde então, a paz voltou e cinco eleições gerais foram realizadas, durante as quais o eterno candidato da Renamo, Afonso Dhlakama, e o seu partido sempre foram derrotada pela Frelimo, representado sucessivamente por Joaquim Alberto Chissano (presidente de 1986 a 2005), Armando Emilio Guebuza (2005-2015) e Filipe Jacinto Nyusi, que tomará posse de chefe de Estado em Janeiro. Assim, o mesmo partido governa o país desde a independência, e a vida política é caracterizada desde os anos 90 por uma forte polarização política à volta dos dois principais partidos.

A primeira lição destas eleições: nenhuma mudança importante

O grau de propaganda que caracterizou a campanha e a vitória da Frelimo inscreveu-se na continuidade das práticas e dos resultados eleitorais dos vinte anos últimos anos. Nenhuma surpresa então, numa eleição que no entanto prometia algumas melhorias, com meios de informação e de comunicação para acompanhar o processo eleitoral, uma nova oferta política, um candidato da Frelimo desconhecido, e depois de uma péssima década de presidência Guebuza.

Até Setembro, a surpresa estava esperada do lado do último chegado na vida política moçambicana, nomeadamente o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), nascido de uma ruptura do seu líder, Daviz Simango, com a Renamo. Nascido numa família frelimista (seu pai era vice-presidente do partido no tempo de Samora Machel, antes de ser executado com sua esposa pela polícia política), e mais tarde membro ativo da Renamo, Daviz Simango, eleito presidente do Conselho municipal de Beira em 2004, deixou a Renamo quando Afonso Dhlakama designou um outro candidato nas eleições municipais de Novembro de 2008. Reeleito presidente do Conselho municipal com mais de 60% dos votos, como um candidato independente, Simango criou o MDM em Março de 2009.

Já candidato á eleição presidencial de Outubro de 2009 (ele teve naquela altura 8,59% dos votos), a sua presença na eleição 2014 deu para pensar que o eterno bipartidarismo moçambicano podia ser contestado, pois a Renamo parecia entrada num declínio irreversível. Nas eleições municipais de 2013, não só o presidente do Conselho municipal de Beira manteve-se na sua carga: o MDM aproveitou o boicote da Renamo para ganhar duas capitais provinciais, Quelimane e Nampula. Após uma sequência eleitoral louca, o MDM também ganhou o município de Gurué, a segunda cidade da província da Zambézia. Existam fortes suspeitas de fraude em outras cidades, onde o MDM viu-se provavelmente a vitória roubada: essas dúvidas concernem os municípios de Gorongosa (província de Sofala), Alto Molócuè e Mocuba (Zambézia), como também as cidades de Maputo e de Matola. A final, pelos menos quatro municípios (sobre 54 ...) ficaram nas mãos da oposição.

Com uma nova oferta eleitoral na oposição e um novo candidato frelimisto, a previsão dos resultados parecia difícil. Salvador Forkilha, vice-presidente do IESE (Instituto de Estudos Sociais e Econômicas), uma estrutura moçambicana independente, confiava no início de Outubro: « É a primeira vez desde 1994 que não posso dizer o que vai acontecer ». Este contexto de incertidão deixou a situação especialmente tensa, neste país que nunca experimentou a alternância e onde as relações de poder são conflituosas. Alguns se aventuraram a prever um segundo torno, sem poder dizer quem entre Afonso Dhlakama e Daviz Simango iriá enfrentar Filipe Nyusi. outros anunciaram uma possível coabitação entre um presidente da República frelimisto e uma Assembleia da República dominada pela oposição.

Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder
Último dia de campanha da Frelimo em Maputo, dia 12 de Outubro.

Último dia de campanha da Frelimo em Maputo, dia 12 de Outubro.

« A Frelimo não está pronto para deixar o poder », falava em Setembro o diretor da fundação MASC (Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil) João Pereira, num jornal de oposição. Segundo ele, uma derrota do partido teria resultado num cenário zimbabuense, com atos de violências e uma possível coabitação no fim. Mais do que uma nova guerra civil ou do que um movimento popular tipo uma « primavera moçambicana », o risco residia na instrumentalização de grupos partidários, o que podia traduzir-se por confrontos entre ativistas de tal ou tel partido.

Um cenário como conheceram o Quênia em 2007 ou o Zimbabwe em 2008 poderia ter-se realizado em Moçambique, e talvez, a final, resultar na formação dum governo de união nacional. Isso não aconteceu. O equilíbrio eleitoral, mesmo com um resultado da Frelimo inferior ao resultado do presidente Guebuza em 2009 (75,01% dos votos), manteve-se semelhante às eleições anteriores, com a Renamo em segundo lugar e o MDM muito atrás.

Entre fraudes e opacidade: um processo eleitoral manipulado a cada paso

A Frelimo mobilizou meios excessivos para assegurar-se da vitória e evitar um cenário que lhe seria desfavorável. A máquina eleitoral frelimista operou plenamente. pois não é preciso enganar-se: apesar da fraude significativa, a Frelimo não ganhou a eleição no dia 15 de Outubro, nem nos dias seguintes. Uma eleição não se decidida no único dia da votação. A grande desigualdade do tempo disponível para cada candidato na televisão ou no rádio, a subjetividade dos mídias (cuja a desonestidade intelectual do canal TVM é o melhor exemplo), a diferença de recursos financeiros, as pressões dos ministérios e das administrações para fazer campanha em favor do partido no poder, os vídeos da campanha caríssimos e onipresentes, a distribuição gratuita de capulanas e de camisetas com a imagem de Nyusi... tudo serviu a propaganda frelimista. Em Outubro passado, ouviu-se crianças na rua a cantar a música de campanha da Frelimo, o que é bastante ilustrativo do fenômeno de lavagem cerebral.

Enfim, a comunidade internacional poderia ter evitado o envio duma missão de observação eleitoral bem inútil (e até mesmo contraprodutivo, pois legitima a votação, logo que a qualifica de « globalmente satisfatória »). Porquê ir seguir o andamento da votação, se logo durante a campanha, as condições para uma eleição justa não foram reunidas, com um desequilíbrio flagrante entre as capacidades de cada formação política.

Caso de desinformação na TVM-1 (olhem bem!).

Aliás, a origem dos meios mobilizado pela Frelimo permanece obscura. Um estudo realizado pela Agência Britânica de Investigação, publicada em Julho desse ano, mostrava que 93% das exportações de madeira de Moçambique para a China são de forma ilegal. Dez milhões de euros relativos a esse tráfico na província da Zambézia podem ter sido desviados para financiar a campanha do candidato Nyusi. Desde 2007, as percas fiscais do Estado moçambicano relativas ás exportações ilegais de madeira são avaliadas a cerca de 108 milhões de euros, acrescenta a Agência Britânica, que supõe que os benefícios dessa atividade criminosa são aproveitados por pessoas de poder ligadas ou membros do governo moçambicano. Da mesma forma, os fundos perdidos em 2013 no âmbito do caso Ematum, provavelmente foram usados para financiar a campanha eleitoral. Ematum é o nome desta empresa-fantasma criada pelo presidente Guebuza para gerenciar 850 milhões de euros de créditos internacionais para a compra de 24 barcos de pesca e 6 barcos de vigilância. Enfim, o caminha ainda está longo para que Moçambique organiza eleições justas e transparentes.

O dia da votação foi também a ocasão de manipulações importantes. « Vimos diferenças enormes entre as recolhas de votos nos bairros onde estavamos a seguir a eleição, e os resultados publicados depois ao uma escala superior », deplora Maria Grazia, uma ativista italiana que seguiu a eleição como observadora voluntária, em certos bairros de Quelimane. « Eu, e os meus vizinhos, ninguém votou Frelimo, mas os resultados no bairro dão uma maioria ao Frelimo », constata sem ilusão nenhuma um cidadão do Zimpeto, na periferia de Maputo. Uma diretora de escola primária, no distrito da Matola, tenta uma explicação: « Nas províncias do norte e do centro do país, onde a Renamo tem melhores resultados, as pessoas ficam depois de ter votado para seguir a contagem, e dai é mais difícil cometer fraude. Mais aqui, na província de Maputo, os bairros são menos politizados, e depois de ter votado, as pessoas voltam à casa sem assegurar-se que a contagem vai ser justa. »

O que dizer também quando se constata diferenças tão grandes entre os votos ganhados pela Renamo nas legislativas e nas provinciais, e aqueles que reuniu o Afonso Dhlakama na eleição presidencial? O Dhlakama receba sempre mais votos do que a Renamo, a diferença entre os dois sendo às vezes de mais de 4 pontos. Não é por acaso. Nas províncias de Nampula, de Manica e de Tete, onde o líder da Renamo tem apenas uma maioria relativa na presidencial, essa diferença permite ao Frelimo de guardar uma maioria relativa nas legislativas, e assim de ter mais deputados do que a Renamo para representar essas províncias na Assembleia da República. Constatando uma tal diferença de resultados, decidimos apresentar só as tendências eleitorais (mapeadas por província) para a eleição presidencial, sabendo que, mesmo nesta votação, houve fraudes.

Dadas que houve bastante fraude, e que faz a quinta vez que a oposição sai duma eleição com a sensação que a vitória lhe foi roubada, a ausência de violência no dia da votação deve muito à Renamo, que não tentou perturbar o processo eleitoral. Alguns incidentes foram notadas, quando observadores renamistas foram impedidos de entrar em certos locais de voto, ou quando foram descobertos casos de fraude nas províncias de Tete, Nampula e Beira. No entanto, nada a ver com o clima tenso que o país conheceu ano passado, nas eleições de Novembro de 2013. A Comissão Nacional de Eleições (CNE) reconhece não ser capaz de contabilizar os resultados de 300 assembleias de voto, dadas as incoerências na contagem. No entanto, o resultado da eleição foi cancelado somente em raras localidades, como no distrito de Tsangano, na província de Tete.

Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder

Que futuro para a democracia moçambicana?

Então, devemos desesperar da situação política em Moçambique? Enquanto os mais otimistas pensavam que haveria uma mudança, as esperanças morreram com os resultados da eleição.

Moçambique está num momento determinante da sua história, num cruzamento, e deve fazer escolhas. Os macro-projetos de infra-estruturas ou de agricultura intensiva, os desafios relacionados à exploração e à preservação dos recursos naturais e à distribuição da riqueza, os eternos problemas de educação, de saúde e de saneamento (com um nível de alfabetização apenas superior a 50% da população e uma expectativa de vida média inferior a 50 anos), são todas questões, entre muitas outras, sobre as quais determina-se o futuro do Moçambique. A Frelimo é a espinha dorsal do Estado, razão pela qual a alternância política ainda é um desafio, mesmo se o partido aceitasse abandonar o poder. Uma transição progressiva a partir de um governo de união ou de uma coabitação entre um Parlamento oposição e uma presidência frelimista poderia finalmente ser uma solução intermediária para preparar a Frelimo à alternância. Ainda estamos longe dum tal cenário, como o ilustrou a cessão parlamentar do 26 de Novembro, na qual a proposta renamista de formar um « governo de gestão », em vez dum executivo partidário, foi rejeitada pela bancada frelimista – é verdade também que a própria direção da Renamo não parecia dominar muito bem o conceito de governo de gestão... Enquanto os Frelimistas continuam convencidos da legitimidade da vitória do Nyusi e do seu partido, uma abertura política suscetível de deixar um espaço à oposição na formação do próximo governo fica bem improvável.

Ainda há uma grande incerteza política, pois a Renamo ameaça agora boicotar os órgãos eleitos (que devem tomar posse em Janeiro), enquanto o risco que o movimento de Dhlakama volta a pegar as armas permanece. Desejamos ao Moçambique, que já conheceu tanta guerra, que a próxima presidência terá lugar na paz, e que o imperativo de estabilidade não justificará qualquer deriva autocrática. Quanto às próprias eleições, a maioria dos Moçambicanos não têm ilusão nenhuma e sabem bem que, neste país, a democracia ainda está em construção.

A paisagem urbana dominada pela propaganda frelimista.

A paisagem urbana dominada pela propaganda frelimista.

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