Overblog
Editer l'article Suivre ce blog Administration + Créer mon blog
O acendedor de lampiões

Os Roma: Intocáveis ​​da Europa?

10 Mai 2024 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #Europa, #História, #Identidade

Se há uma comunidade que sofre de discriminações e de estereótipos na Europa, é a comunidade rom. Desde a abertura das fronteiras europeias na âmbito do espaço Schengen e do alargamento da União Europeia (UE) aos países de Leste ex-comunista, em particular a Romênia e a Bulgária, os movimentos de população rom aceleraram-se, criando também receios dos povos loeste-europeus onde observa-se uma subida dos nacionalismos xenófobos, Itália e França antes de tudo. Colocamos um lente de aumento para entender melhor essa comunidade, demais desconhecida.

Na Itália, viu-se reações anti-roma logo na década de 2000, e em França, onde estavam naquela altura entre 15 e 30 000 Roma « migrantes » vindos da Europa de Leste e dos Balcãos (conforme as fontes), o ambiente anti-rom conheceu o seu zênite entre 2010 e 2014. Já sob a presidência de Nicolas Sarkozy, em 2010, o Comité da Organização das Nações Unidas (ONU) para a eliminação da discriminação racial e a Comissão europeia tinham chamada atenção de Pari sobre a ação da France nessa temática, marcada pelas reconduções brutais à fronteira. Por lembrança, em 5 de Agosto de 2010, uma circular pediu aos prefeitos de realizar a evacuação de « 300 acapamentos ou implantações ilícitas sob 3 meses, em prioridade os dos Roma » e de iniciar um « processo sistemático de desmantelamento dos acapamentos ilícitos, em prioridade os dos Roma ». Reescrito depois para retirar a menção sobre os « os Roma », contrária aos princípios democráticos que proibem qualquer diferenciamento numa base étnica.

A chegada de François Hollande à presidência francesa não mudou grande coisa. Logo em Agosto de 2012, uma nova circular era suposta acabar com as evacuações absurdas dos acapamentos ilícitos, com propostas alternativas de realojamento, e a « ajuda ao retorno », suposta incentivar os Roma a voltar no seu país de origam, foi muito reduzida (passando então de 100 euros para 50 euros por adulto). Mas essa circular, complexa, nunca foi amplamente aplicada pelos municípios, e menos de um metade das expulsões faziam-se efectivamente com realojamentos atrás. O número de expulsões forçadas até aumentou em 2012 e 2013. Amnesty International, a Liga dos direitos humanos e o European Roma Rights Center, por exemplo, denunciaram regularmente as condições de vida e as expulsões então operadas em França, e a ausência de política de inserção professional destinada a essa comunidade. E por lembrança, poucos meses antes de eleições autárquicas (em 2014), o próprio ministro do Interior Manuel Valls declarava, numa estação-rádio nacional (France Inter), em Setembro de 2013: « [Essas] populações [...] têm modos de vida extremamente diferentes dos nossos [...]. É ilusório pensar que vamos resolver o problema das populações roma através somente da inserção. [...] Os Roma têm vocação a voltar na Romênia e na Bulgária. [...] Eu ajuda os Franceses contra essas populações. » O vocabulário não era usado por acaso. Enquanto sondagens indicavam então que 70% das pessoas pensavam-se « preocupadas pela presença dos Roma ».

A data do 1eiro de Janeiro de 2014, fim do estatuto transitório ao qual a Romênia e a Bulgária estavam obrigados, era apontada por toda classe política como uma terrível ameaça, pois significa uma potencial adesão desses dois países ao espaço Schengen de livre-circulação. Ou seja, o início da invasão! A final, em Maio de 2018, até o Parlamento europeu pediu oficialmente a adesão efectiva de Bucarest e Sofia ao Espaço Schengen, pois os dois Estados que tinham aderido em 2007 na UE ainda não tinham, naquela altura, integrado Schengen, como também a Croácia, membro da UE desde 2013. Até parece que esse assunto passou, já não está tanto na atualidade, foi substituido por debates contra a imigração africana, árabe e muçulmano, novo debate na moda desde 2015...

Os Roma: uma comunidade complexa muito desconhecida

Fala-se de quem, quando se trata dos Roma? Por lembrança, o nome tem a ver com duas realidades. Designa, por um lado, todas as populações ciganas (inclusive os nómades, ou pessoas em viagem, presentes na Europa de Loeste há muito tempo). A palavra Rom é na verdade um endônimo que significa « homem realizado e casado na comunidade ». Foi de fato adoptada pela União Romani Internacionale (IRU) para designar todas as populações com a mesma origem indiana e vivendo entre a Índia e o Atlântico como no continento americano. Mas o termo designa também mais especificamente as populações ciganas da Europa de Leste, em maioria sedentarizadas e das quais uma parte chegou na Europa de Loeste após a adesão de novos países na União Europeia em 2004 e 2007. Há portanto uma confusão entre os Roma « estrangeiros e orientais », chegados por maioria da Romênia e da Bulgária, e os nómades/pessoas em viajem de França, Itália, Espanha... Essa confusão favorece uma política homogénea anti-cigana muito longe de ser adaptada, nem a uns, nem a outros dos « Roma ».

Ao contrário dos estereótipos, os Roma ou Ciganos já não são mais nómades, para quase todos. Só uma minoria de grupos têm uma tradição de mobilidade sazonal, sobre pequenas distâncias (geralmente num mesmo país) e sempre a partir de um ponto de base, ligado ao seu trabalho (trabalho do ferro, música...). Mas a muito grande maioria deles são sedentários. Essa reputação de povo em transumância , nascida com as suas primeiras migrações na Europa a partir do Império bizantino no século XV, surgiu no século XIX quando a edificação dos Estados-nações tornou mais prático apresentar as comunidades roma como desenraizadas, vindas de fora, em perpétuo movimento. Em consequência, a ideia de « povo » rom não toma necessariamente, ao contrário a um outro estereótipo, o passo sobre a pertença a um país de ligação. Enfim, um Rom de Transilvânia e um Gitano de Perpignan não vão dar-se um abraço se eles se encontram amanhã, chamando-se de « primos ». Aliás, com uma diáspora de 15 milhões de indivíduos espalhados pelo mundo, entre os quais 90% (estimados) falando e entendendo a língua romani, os Roma ou Ciganos constituem a mais forte minoria étno-linguística no planeta mas nunca exigiram um território qualquer, seja o que for, apesar das persecuções que eles conheceram ao longo dos séculos, e em particuler durante a dominação nazista.

Segundo o Conselho da Europa, os Roma (no sentido empla) seriam entre 10 e 12 milhões de pessoas no continento europeu, entre os quais mais de 6 milhões na União Europeia. Mas esses números regrupam comunidades heterogéneas: os Roma (de Europa central e oriental), os Sinti (Manoush), os Calós (Gitanos) e os grupos assimilados em Europa, entre os quais as « Pessoas em viagem » e os ramos orientais (Doms, Loms). Essas comunidades são muitas vezes divididas em sub-grupos. Haberia 1 850 000 na Romênia, e mais ou menos 750 000 na Bulgária. Em França, em 2014, estimava-se a população rom (inclusive pessoas em viagem) a 400 000 pessoas, entre as quais, 20 000 Roma « migrantes » vindos da Europa central e oriental, quase a metade sendo crianças (Ministério do Interior francês). Um número estável há muitos anos, o que significa que são provavelmente os mesmos grupos que vão e voltam, aproveitando o sistema de ajudas ao retorno e a abertura das fronteiras desde 2007.

Os Roma e a Europa, um desamor secular

É choquante constatar, uns seis séculos após a chegada dessa comunidade na Europa, a imagem e o tratamento que lhes são reservados desde então, quando sabemos que as cortes e as sociedades europeias lhes fizeram em primeiro lugar – e muito brevemente em certos casos – um acolhimento correto. Algumas histórias do século XV, como a da cidade de Arras em Outubro de 1421, mostram de fato uma grande curiosidade criada pela chegada desses indivíduos, muitas vezes conduzidos por um « Conde » ou um « Duque de Pequeno Egipto » e em possessão de cartas do imperador romano germánico Sigismond, o qual recomendava que eles sejam acolhidos e tratados como « nobres cristãos ». Esses novos chegantes beneficiam de fato de um olhar surpreendido dos habitantes, por serem vestidos de calças folgadas e jaquetas bordadas pelos homens, de grandes vestidos com turbantes e listras para as mulheres, em carrinhos levados por cavalos húngaros cansados e apresentando pinturas e afrescos coloridos. Muitas lendas sobre as suas origens, muitas vezes associadas a narrativas bíblicas, nascem então, tal como uma certa fascinação para a sua itinerância perpétua que abre a porta a uma imaginação fantasiada: a Boêmia parece uma mulher « livre » porque sem ligações, e o gitano um homem orgulhoso e destemido. O conhecimento do trabalho do ferro torna-se rapidamente famoso, tal como a suposta clarividência das Boêmias, a capacidade dos homens para falar aos cavalos ou ainda sua força sobre-humana. Aliás, os donos de terras, os nobres, os recrutam como mercenários em exércitos privados e elogiam o sua coragem e sua habilidade ao combate. Francisco Ieiro até recrutou quase 4 000 mercenários ciganos para cercar os Ingleses em Boulogne em 1545. Os príncipes de Boêmia os usam, na mesma altura, para lutar contra os Otomanos, e a família real de Espanha para combater os « Maometanos ».

Mas após o fim da ameaça de invasão otomana, o estatuto da comunidade muda radicalmente e o seu nomadismo torna-se mal visto. Primeiro porque isso supõe uma concepção diferente da propriedade. Segundo e sobretudo porque numa sociedade sedentária como as europeias, essa perambulação aparece rapidamente suspeita. As explicações esfumaçadas não irão a faltar, as mais ouvidas fazendo referência a uma maldição divina. Podemos mencionar, por exemplo, a versão conhecida que pretende que um Cigano teria fabricado os pregos que servirem para a Crucificação. Um outra ainda afirma que uma Boêmia teria roubado as fraldas de Jesus quando nasceu. São desde então atingidos por uma legislação que os proibe o acesso a muitos empregos, e depois os expulsa das grandes cidades por supostos motivos de segurança e de salubridade pública. Em 1606, alinhando-se numa regulamentação uniformemente repressiva em toda a Europa, Luís XIII adopta uma legislação que permite à guarda montada de prender os gitanos « a título preventivo », sem nenhuma outra forma de processo. Em 1713, um regulamento dos Estados de Navarre os expõe « à deporação nas ilhas de América » e à « venda como escravo ». Na Inglaterra, são expulsos dos mercados e  os recalcitrantes são chicoteados após serem rapados, por exemplo. As condenações de Ciganos por banditismo ou assassinato multiplicam-se ao longo dos séculos – 150 são assim condenados na Hungria em 1782 por canibalismo: 18 mulheres decapitadas, 5 homens enforcados, os outros presos. Em França, a instauração de um caderne de circulação em 1810, e depois de um livreto antropométrico em 1912 (substituido pelo licença de circulação em 1969), obriga todos os nômades a assinalar-se às autoridades a cada um das suas deslocações e traduz a mesma preocupação de « controlar » essa população. Podemos notar que serão submetidos à escravidão na Romênia até 1856, e vítimas do mesmo destino que os judeus na Europa na primeira metade do século XX: presos pelos nazistas, internados e exterminados em campos de concentração (250 000 seriam mortos entre 1933 e 1945).

Onde nascem as incompreensões e tanta suspeição, tanto ódio? Em sociedades europeias marcadas pelo obscurantismo religioso (lembramos que a Inquisição assassinou bastante pessoas entre os século XV e XVIII), muitos tiveram por interesse a os estigmatizar e os demonizar, e as diferenças sociais e culturais, muitas vezes, serviram a alimentar essa marginalização. Na cultura romani, os indivíduos vivem de fato desde muito tempo e em maioria en grupos endogâmicos fechados numa forma de família alargada, e o seu modo de vida permaneceu ligado ao itinerário das origens. Em tais condições, em meio europeu, a sua chegada e a sua existência enfrentaram frequentemente sistemas normativos dominantes. Em consequência, várias vezes desenvolveram proteções identitárias e um comunitarismo fortes em relação a populações indígenas que os cercavem. Os Roma tornaram-se assim rapidamente uns párias, que não se frequente e cujas histórias e rumores malsãs a cerca dos seus modos de vida e das suas crenças só aumentaram ainda o grau de exclusão. Aliás, ironia da história, a própria palavra « Cigano » parece vir da palavra grega bizantina Atsinganos, a qual significa literalmente « intocável » ou « que não quer ser tocado » – nome que lhes teria sido dado porque antigamente parece que eles se cumprimentavam sem apertar a mão.

Hoje em dia, o analfabetismo e a falta de qualificações profissionais afectam ainda mais, muitas vezesn um quadro já muito escurecido pelas dificuldades econômicas. Criou-se várias vezes a cerca dessa situação uma relação de desconfiança entre comunidades roma e indígenas, os primeiros queixando-se aos segundos pelas discriminações e por lhes impedir qualquer inserção social e cultural; os segundos considerando os Roma como « ladrões de galinhas » ou « de metais » e artistas de rua praticando a clarividência, ou como pessoas intrinsecamente violentes que ameaçam a segurança coletiva, enviam as suas crianças pedir esmola e finalmente não querem integrar-se. Portanto entramos, já há muito tempo e na maioria dos países europeus, num círculo vicioso onde cada um cobra o outro pela ausência de diálogo e as amálgamas. Como sair disso?

No tratamento da questão dos Roma como em muitas outras áreas, os governos e o executivo europeus são incapazes de sair de uma quadro de pensamento velho de várias décadas.

No tratamento da questão dos Roma como em muitas outras áreas, os governos e o executivo europeus são incapazes de sair de uma quadro de pensamento velho de várias décadas.

Uma questão muitas vezes mal abordade

Temos primeiro que constatar, sem tentar estigmatizar-la, que certos membros da comunidade rom provocam problemas de segurança e são relativamente muitos a pedir esmola. Na Itália, em França ou  em outros países loeste-europeus, basta caminhar no metro ou em lugares turísticos das capitais para o ver: entre os falsos surdos e mudos pedindo uma « contribuição », mendigos (às vezes não realmente) deficientes, ladrões no metro, etc; de fato, há Roma  que trazem problemas para os turistas, os morradores e os caminhantes – e que afectam, ao mesmo tempo, a imagem da sua própria comunidade e da cidade. Além disso, testemunham forças de segurança em vários lugares: os espaços e as amenidades à disposição dos Roma foram recuperadas degradados quando eles partiram... o que, como contribuintes, só pode nos chocar. Faz esse constato é necessário por duas razões: primeiro porque permite entender uma parte das apreensões e dos receios de certos cidadãos, sem os considerar antes de tudo como uma malta de racistas deshumanos. Segundo porque identificar todos os problemas colocados por uma situação dada é um passo necessário para procurar soluções relevantes. Portanto, e ao contrário do que muitos pensam, isso não induz logicamente que certos Roma roubam ou pedam esmola porque isso faz parte da cultura deles ou seria intrínseca aos seus modos de vida (ou pior, inscrito no código genético deles). Aliás, os atos e as fontes de renda que são denunciados nos Roma (mendicidade e roubo) não têm tanto a ver com a sua cultura, mas com o seu estado de pobreza e de exclusão, que puxa ao trabalho ilícito, aos delitos, etc. Achamos fontes de renda similares em outros grupos marcados pela pobreza e a exclusão – é o caso por exemplo das crianças das ruas nos países do Sul. Enfim, roubar e pedir esmola não têm nada de específico com os Roma e os Ciganos; pelo contrário, são mais características específicas a pessoas em estado de precariedade e de pobreza.

Nessa lógica, podemos facilemente supor que abordar a questão dos Roma por um prismo só migratório e securitário é inadaptado, sobretudo quando o alvo é construir um espaço comum (na União Europeia) onde todos seriam, amanhã, capazes de viver juntos e de circular livremente em qualquer lugar. Mas uma vez que a classe política fala dos Roma como de pessoas diferentes que não querem integrar-se, vemos bem que a visão de longo prazo não está ai. Nem se pensa no fato que os próprios países donde os Roma de Leste são originários, a Romênia e a Bulgária em particular, tratam os seus Roma de forma péssima, criando situações de miséria e de exploração. Já que decidimos criar uma área de livre-circulação na Europa – uma ambição muito linda –, temos que dar-nos os meios de conseguir esse objetivo. Se consideramos que há um problema, não podemos fugi-lo expulsando as pessoas, mas sim, o gerir. Iniciativas relevantes e adaptadas existem, como na cidade de Indre (em Loire-Atlantique, França) onde o município decidiu, com sucesso há mais de dez anos, integrar as famílias roma planejando habitações decentes com alugel moderado (a cerca de 200 euros por mês) e escolarizando as crianças que tornaram-se francófonas. Essas iniciativas desmotram que a integração social pode, claro, dar resultados, e são elas que devem servir de exemplo.

O discurso e o tipo das respostas trazidas pelo Estado e o essencial dos municípios em questão mostram que o problema não é bem abordado, claramente. Primeiro porque a questão do tratamento realmente discriminatório em relação aos Roma existe à escala do continento inteiro. E essa estigmatização intensa de cidadãos europeus é indigna e viola a Convenção europeia dos Direitos humanos (1953) como também a Carta europeia dos direitos humanos (2000), no entanto ratificados pela quase totalidade dos países de Europa. Segundo porque o debate parece completamente desconetado da realidades das populações em causa: criticamos os Roma de Europa oriental por não quererem integrar-se e por terem chegados na Europa de Loeste para ocupar o espaço público com os seus acapamentos selvagens, trabalhar de maneira clandestina, roubar, etc. E o fato se sermos irritados pela mendicidade agressiva ou pela vista de uma criança nos braços da sua mãe sentada no corredor de uma estação de metro, é totalmente compreensível. Mas temos que nos lembrar a quem cobramos essa situação: a milhares de pessoas que, muitas vezes, não sabem nem ler nem escrever (pelo menos um terço dos Roma de Romênia são analfabetos); pessoas que viviam na precariedade e numa desconfiança secular no seu próprio país, e que naturalmente aproveitaram (como centenas de milhares de outros migrantes) da abertura das fronteiras de Leste após 2004 e 2007 para vir tentar sua chance na Europa de Loeste; pessoas cujo acesso a alguns empregos era ainda proibido até o 1eiro de Janeiro de 2014 por causa do estatuto transitório da Romênia e da Bulgária na União Europeia, e cuja escolarização das crianças, quando ela é observada, é interrompida a cada expulsão. Cobramos a essas pessoas consideradas antes de tudo como ladrões e pobres por não quererem se integrar. Mas quem pode afirmar que teria feito diferentemente nessa comunidade, diante das dificuldades que ela encontra, quando abriram-se as fronteiras? De quem é realmente a culpa?

Isso tudo, não para desculpar de forma nenhuma os comportamentos ilegais e imorais à escala individual. Incentivar a sua criança a tornar-se mendigo ou a roubar por exemplo, é sempre condenável, ainda mais num país como a França onde alternativas são ofertas às crianças. Os indivíduos que participam a afectar a imagem da sua comunidade nos países de Europa de Loeste não são libres de responsabilidades. Mas quando fala-se de uma comunidade apresentando uma história tão particular, a análisa das causas e das consequências deve ir muito mais longe do que esse julgamento. De fato, um estado de fato está ai: a abertura das fronteiras na Europa fez-se sem nenhum objetivo de harmonização social a curto ou longo prazo, e sem nenhuma concertação sobre os fluxos internos que seguiram a abertura das fronteiras ou sobre o estatuto dos povos minoritários transnacionais. Portanto, os riscos claramente não foram antecipados como deveriam ter sido.

Os Roma: Intocáveis ​​da Europa?

O que faz a Europa?

Certamente, os Roma ou Ciganos formam uma comunidade particular que alimenta debates sobre a insegurança ou a sua integração, isso não é novo. Desde séculos, muitos governos desenvolveram relações específicas com eles, os discriminando muitas vezes com violência, ou os persecutando e os exterminando durante a Segunda Guerra mundial.

Hoje em dia, e por o seu caráter transnacional, a comunidade rom constitui num certo sentido, de fato, o povo o mais « europeu » do continento. Quer ou não quer, a cultura rom faz plenamente parte do mosaico europeu, e convivem com os outros Europeus. Apesar de tudo, os Roma no sentido ampla, cidadãos europeus, são ainda e sempre considerados como cidadãos de segundo grau, muitas vezes personae non gratae, em situação de exclusão social. Nos últimos anos, quase em todo lugar, a vigilência administrativa e policial resforçou-se. As políticas de segurança amplificam uma xenofobia aparente em relação aos Roma como às Pessoas em viagem, contudo presentes há muito tempo a cerca dos centros urbanos como Marseille, Nápoles ou Lisboa. Isso tudo, claro, alimenta a retórica dos partidos nacionalistas os mais violentos. Na Hungria, o partido de extrema-direita Jobbik, terceira força política do país, até fez a proposta de criar uma polícia consagrada aos « problemas roma ». Na Itália, os Ciganos (estimados a 150 000 cuja metade quase seriam Roma « orientais » de Europa de Leste, dados de 2014) são frequentemente o centro de debates sobre a imigração e a segurança. Na Alemanha, o governo é acusado de organizar o retorno dos jovens Roma no Kosovo, inclusive os nascidos no solo alemão; em consequência, 38% dos Roma expulsos da Alemanha seriam, segundo um relatório da UNICEF de Julho de 2010, apátridas, o que no entanto várias convenções internacionais proibem. Na Grécia e na República checa, que contam cada uma 250 000 membros dessa comunidade, as condições de vida são ainda muitas vezes miseráveis, marcadas pelas expulsões arbitrárias e a violência policial. Praga até já foi condenada pelo Tribunal europeu dos direitos humanos para o internamento forçado de crianças roma em escolas especiais destinadas aos deficientes mentais. A Espanha, onde existe a maiora comunidade rom na Europa de Loeste (uns 750 000, entre os quais 42 000 Roma estrangeiros vindos da Europa de Leste, segundo as estimações do Conselho da Europa, dados de 2014), é provavelmente o país fazendo mais esforços, com uma estratégia nacional de inserção que diz respeito a essa população.

Um imperativo impõe-se logo que decidimos criar um espaço único de livre-circulação dos indivíduos: a União Europeia deve capacitar-se com uma política comum nessa questão, consultar as comunidades em cause (ou seja, pelo menos os representantes dos Roma e poderes públicos) e representar uma verdadeira união de direitos contra qualquer forma de discriminação e de exclusão em relação a minorias. Isso, tomando em conta o seu caráter transnacional, quando for necessário. Enquanto hoje em dia certos na Europa adiam ainda a efectividade dos acordos de Schengen com a Bulgária e a Romênia ao nível das fronteiras terrestras (a adesão ao espaço Schengen só é oficial para estes dois paises desde o 31 de Março de 2024, e apenas para as fronteiras aéreas e marítimas), podemos questionar o olhar desesperadamente inativo da União Europeia sobre a condição dos Roma, em particular no Leste e nos Balcãos, enquanto valores consideráveis são dados a esses países ao título dos fundos comunitários (apesar da forte corrupção que é lá observada), inclusive para financiar as políticas de integração das minorias. Financiamentos que, muitas vezes, não são transferidas, pois devem ser completados por financiamentos das autarquias por 50%; mas essas mesmas são muitas vezes relutantes em desenvolver uma política inclusiva, contrária aos seus interesses eleitorais de curto prazo. Além disso, nada impede legalmente a Comissão europeia de abrir proccesos de infracção contra Estados membros que não respeitam os direitos dos Roma: expulsões forçadas, ficheiros policiais, segregação escolar, etc. Contudo, essa ferramenta ainda não foi usada até hoje. O executivo teria ai a ocasião de assumir o seu papel de « guardiã dos tratados », reclamando a aplicação estricta da Diretiva sobre a igualdade racial. Essa diretiva proibe qualquer forma de discriminação baseada na raça na área dos serviços sociais como a habitação ou a educação. O problema é que depende da mobilização da Comissão europeia, e portanto ela que escolha, ou não, esse tal processo.

Sobre a questão dos Roma como em muitos outros assuntos, constata-se com frustração, primeiro: que a construção de um espaço comum de circulação e de troca entre países com níveis de vida muito diferentes fez-se sem pensar nos muitos impactos potenciais em termos de dumping social e de fluxos migratórios. Impactos, que obviamente nenhuma forma de harmonização social e fiscal irá compensar, pois os governos nacionais e o executivo europeu não querem dela e nem falam disso. E segundo: que os nossos dirigentes são incapazes de sair do quadro intelectual velho de décadas para reinventar os modelos políticos e sociais. Temos ai uma comunidade, os Roma, presente em todo o continente com mais de 10 milhões de pessoas (ou seja, tanto ou mais do que a população de muitos Estados membros da UE). Ela dispõe, desde o Congresso mundial cigano de 1971, de uma bandeira (uma roda de cor vermelha num fundo azul e verde) e de um dia nacional na data do 8 de Abril, aniversário do mesmo congresso. Ela possui também o seu hino, Djelem, djelem, escrito por Jarko Jovanovic numa canção popular cigana. Seria possível parar com calma para discutir e trabalhar, com as diferentes populações ciganas que partilham origens comuns, da possibilidade de elaborar para os Roma um estatuto específico e novo destinado a proteger os seus direitos? Que tal da possibilidade, na União Europeia, de uma « 28° nação europeia »?

Um processo longo de mudança das mentalidades

Não pretendemos aqui trazer respostas-milagras ou angélicas, mas simplesmente lembrar que pistas de reflexão existem nesse assunto como em tantos outros. Elas impõem de ousar questionar velhos esquemas.

É por exemplo surpreendente que apesar de seis séculos de presença no continento, a cultura dos Roma ou Ciganos ainda permanece amplamente desconhecida. No entanto, presente na literatura e no cinema, sua influência nas artes é importante, em particular na música. A escuta de algumas músicas tradicionais, ou de certos artistas contemporâneos, desde os Balcãos até a Andalúsia, basta a convencer-se disso. Por exemplo, o Klezmer, tradição musical dos Judeus asquenazins, tem origens nas músicas ciganas de Europa central e oriental. Igualmente para o jazz, com artistas como Django Reinhart, Francês da comunidade sinti e cujo estilo de tocar e de compôr ao violão permitiu o nascimento do jazz manoush. OS exemplos são muitos, mas desconhecidos. Esse desconhecimento favorece os preconceitos. Um ensino da história e da cultura cigana nas escolas e pelas mídias, sem vitimização e sem condescendência, sem tratamento de favor e sem caricaturas, já seria um primeiro passo construtivo. Obviamente, transformar as fantasias individuais e coletivas em relação aos Roma permanece um desafio importante, que passa por parte pelo fim das atitudas e discursos negativos contra eles.

Eventos como a detenção e a expulsão de Leonarda, uma aluna de segundo grau rom de origem do Kosovo mas nascida na Itália, em Outubro de 2013 no âmbito de uma saida escolar no Doubs (Leste da França), aumentam, claro, a estigmatização e o sentimento de rejeito (embora a lei é respetitada, e a polémica foi sujeita a manipulações ridículas), tal como a retórica usado por um comissário de polícia francês em Paris (6° arrondissement), em Abril de 2014, que falou de localizar e « afastar » os Roma « sistematicamente », enquanto em teoria nenhum controle de polícia pode ser efectuado na base da sua aparência ou da sua nacionalidade (é preciso dirigir-se contra os delitos para poder controlar os indivíduos). As associações de defesa das minorias roma disseram então preocupar-se do aumento das violências contra essa comunidade; em Fevereiro de 2014, um jornal on-line, chamado Mediapart, revelou que Roma vivendo do lado da praça da República, no centro de Paris, tinham sido desde o verão de 2013 vítimas de ataques diversos, entre outras coisas de uns com ácido. Último exemplo: em Janeiro de 2015, um edil local em Champlan, na região-capital (Île-de-France), impediu que seja enterrado no seu município um bebé rom morto uns dias antes, usando como desculpa uma falta de lugar... Enfim, a encenação da abordagem securitária deve acabar para considerar os Roma, crianças como adultos, como seres humanos, que por consequência têm direito ao respeito.

Para concluir, aconselhemos a vizualização do filme-documentário Souvenirs d'un futur radieux, realizado por José Vieira (franco-português) e publicado em 2014 (em língua francesa). Estabelecendo um paralelismo entre a situação dos imigrantes portugueses nas décadas de 1960 e 1970 com a dos Roma nas décadas de 2000 e 2010 – com base (com 40 anos de distância) a vida num bairro de lata no município de Massy (periferia de Paris) –, ele vem ilustrar as vicissitudes da História e dos estigmas, e ilustrar a constância da humanidade (e da marginalização) das comunidades em migração.

Partager cet article
Repost0
Pour être informé des derniers articles, inscrivez vous :
Commenter cet article