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O acendedor de lampiões

Que lições tirar da crise do COVID-19? (1/2) Meio ambiente, hierarquia social, trabalho: uma revolução das prioridades?

31 Mars 2020 , Rédigé par David Brites Publié dans #Ecologia, #Economia, #Europa, #Sociedade

Desde o início deste ano, a mundo é afectado por uma grande pandemia de coronavírus. As notícias difíceis acumularam-se, como o confinamento de uma metade da população mundial, ou a suspensão de todas as agendas políticas e das produções em muitos setores económicos. Vimos também reações de solidariedade, chamadas à união, homenagens aos serviços de saúde que devem gerir esta crise ; mas também, como sempre em tempo de crise, comportamentos detestáveis, como brigas em supermercados (para pacotes de maça ou papel higiênico...), ou ainda atitudes racistas contra as comunidades asiáticas imigradas. « Somos em guerra », disse o presidente francês Emmanuel Macron em 16 de Março passado. Claro, olhamos o que compramos, guardamos estoques de alimentos, restabelecemos fronteiras para limitar os deslocamentos, mobilizamos o exército para apoiar os serviços dos hospitais, e sem estar ainda em medidas de racionamento mesmo, restabelecemos um controle excepcional sobre a economia, sobre a produção.

Em muitas partes do mundo, Europa em primeiro lugar, nos acostumamos ao estado da paz, por isso essas medidas surpreendem. Elas nos lembram uma altura em que o Estado planificava para responder à escassez e organizar as produções em perspetivas de guerra ou de restauração industrial, como foi o caso após 1944 no continente europeu em particular. Tabus são levados, e o bumerangue da realidade voltam ao nosso rosto. Dessa sequência dramática, o que tirar de melhor para sair mais forte?

Por lembrança, os coronavírus são um grupo de vírus que provocam em particular doenças nos mamíferos. No ser humano, eles provocam infecções das vias respiratórias geralmente benignas, mas formas mais raras, como o SRAS, o MERS, ou a doença pandêmica que chamamos « COVID-19 » (causada pelo coronavírus SARS-CoV-2), afectam também os sistemas gastrointestinais, cardíacos e nervosos, às vezes de forma mortal, como podemos o constatar nos últimos meses. Apareceu (oficialmente) na China central, na província de Wuhan, e propagou-se depois rapidamente; o primeiro caso identificado fora da China aconteceu em 13 de Janeiro, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia em 11 de Março. Pelo mundo, estamos cada vez mais perto dos 50 000 mortos e do milhão de casos confirmados. Os países e áreas os mais afectados são a China (onde o número parece não progredir significativamente), a Coreia do Sul (que soube conter muito cedo a progressão da epidemia), o Irão, os Estados-Unidos, e certas partes do continente europeu, Espanha e Itália notavelmente. Por enquanto, a China conheceu mais de 3 300 falecimentos, para quase 82 000 casos oficialmente declarados. Os 500 000 casos confirmados foram alcançados na Europa recentemente. A Itália, a Espanha e a França, que conhecem subidas exponenciais, contam respetivamente mais de 12 400, 8 200 e 3 000 mortos, para mais ou menos 100 000 casos confirmados na Itália e na Espanha, e mais de 52 000 em França. Nos Estados-Unidos, 165 000 casos foram confirmados, entre os quais mais de 3 100 mortos. Em Portugal, onde temos quase 6 400 casos confirmados, para 140 falecimentos, a subida parece mais contida do que no vizinho espanhol. No Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro recusou-se a anunciar o confinamento total da população, conta-se uns 4 700 casos confirmados, para quase 200 mortos.

Difícil tirar dessa situação dramática alguma coisa para positivar. O confinamento de milhões de pessoas, na China, na França, na Itália e na Espanha entre outros países, e até na Índia, a morta de milhares de outras, o risco de tragédia sanitária que lembra episódios históricos de um outro tempo, como a Gripe espanhol de 1918 (que tinha feito entre 20 e 50 milhões de mortos pelo mundo): caímos em umas semanas em completa distopia. No entanto, de tantas crises, pode sair o melhor como o pior – após a crise de 1929, assistimos ao mesmo tempo à chegada no poder dos militares no Japão e do nazismo na Alemanha, ao New Deal do presidente Roosevelt nos Estados-Unidos, e à vitória da Frente popular na França e na Espanha. Pode também não sair grande coisa, como foi o caso após a crise dos subprimes e a queda de Lehman Brothers, em 2007-2008. « A autodeterminação para resolver todos os problemas, acabou. [...] O mercado que sempre tem razão, acabou! » Que saiu, a final, dessas palavras ditas por Nicolas Sarkozy, então chefe do Estado francês, em 2008? Não grande coisa. A regulação foi marginal, e ainda mais, bastante laboriosa à escala europeia – foi necessário esperar até 2014 para ver a adopção da união bancária, um processo europeu de vigilância e de gestão das falências eventuais dos 130 maiores estabelecimentos bancários europeus, uma ferramenta que não questiona realmente a ordem financeira estabelecida (apenas tem por ambição antecipar futuros crashs).

Que lições tirar da crise do COVID-19? (1/2) Meio ambiente, hierarquia social, trabalho: uma revolução das prioridades?

Quando a máquina desacelera, o planeta respira um pouco

Primeiro constato, de dimensão ambiental, ligado à desaceleração da atividade que seguiu a crise sanitária e o estado de alerta, e à parada brutal da produção de partes inteiras das nossas economias. O balanço carbono da nossa produção industrial e dos nossos deslocamentos en transportes poluentes caiu de maneira impressionante, o que, além dos impactos sobre acamada de ozônio e sobre a qualidade do ar, não pode ser mal para os nossos pulmões. Assim, em China, o número de falecimentos evitados graças à redução da poluição atmosférica, depois da queda das atividades e dos deslocamentos pendulares (domicílio-trabalho), seria superior ao dos mortos do coronavírus. Após a China, o norte da Itália conheceu também uma verdadeira « lufada » de ar fresco, pois os níveis de poluição baixaram muito nas últimas semanas. De forma mais anedótica mas não menos rico em ensinos: em Cagliari, na Sardenha, ou em Trieste, no continente, o colapso das atividades portuárias permitiu um fenômeno surpreendente, ou seja, o retorno dos golfinhos na costa, « autorizados » a vir nos portos pela ausência de tráfego. Em Veneza, onde as águas recuperaram a sua clareza, os peixes e os cisnes também voltaram. Na região de Paris, as medidas de confinamento permitiram uma clara melhoria da qualidade do ar, por entre 20 e 30%, após uma queda das emissões de mais de 60% dos óxidos nitrogênio; real apesar dum aumento do aquecimento residencial, essa queda é ligada à forte diminuição do tráfego na estrada e aéro. Em 29 de Março, numa praia do Nordeste brasileiro desertado pelos turistos, perto de Recife, 97 tartarugas de mar ditas de escamas (« em perigo crítico de extinção », segundo WWF), puderem sair dos seus ovos e atingir o mar – um fenômeno habitualmente observado por centenas de pessoas. São ilustrações, entre outras, que quando se trava a máquina econômica, o planeta respira um pouco, e a natureza retoma os seus direitos.

Mais de forma global, o confinamento nos oferece a ocasião de reconsiderar a nossa relação ao tempo. Claro, todo o mundo não pode ter respeitado as medidas de confinamento, ou tele-trabalhar, e aliás, a assimetria das situações é muitas vezes apavorante, voltaremos nesse ponto. Mas para muitos, para as e os que são em desemprego técnico ou parcial, que são submetidos ao confinamento, ou que podem tele-trabalhar, é realmente a ocasião de ganhar tempo para si. Num mundo onde nos é pedido sempre mais performance, mais eficiência, mais produtividade, num mundo onde nos acostumamos a ter qualquer serviço ou bem de consumo sem prazo, graças à instantaneidade das comunicações e à revolução logística da entrega em domicílio para qualquer coisa (em particular a comida), um tal desaceleração não é sem importância. Tudo não mudou, claro. E até alguns efeitos perversos são acentuadas por essa sequência pandêmica. Sobre-consumamos produtos digitais para compensar o tédio, para ocupar os tempos livres, e as entregas em domicílio explodem (em Março, Amazon anunciou recrutamentos enormes para responder ao aumento dos pedidos). Outro exemplo, os idosos podem ficar ainda mais isolados do que antes... Mas de forma geral, o confinamento oferece-nos um bem precioso, tempo. A ocasião de tomar tempo para si, tempo para sua família, tempo para descansar. Além disso, o consumo de ferramentas digitais pode ter aspeto positivo, quando traduz-se por mais saber, mais cultura... Por exemplo, plataformas ou instituições musicais ou cinematográficos (óperas, centros culturais, etc.) coloram os seus conteúdos acessíveis gratuitamente durante toda a altura do confinamento.

O confinamento é a ocasião, para muitos, de tomar tempo com a sua família – e não só num tempo consagrado como durante as férias escolares. Ocasião também de dedicar-se a o que não temos sempre tempo de fazer – ler, talvez? Fizemos do trabalho um vetor (como o único vetor?) de emancipação, para na verdade mais submeter o humano aos interesses de um capitalismo super-produtivista. Desde décadas, é nessa mentalidade que as nossas elites políticas, econômicas e nas mídias condenam o princípio de redução do tempo de trabalho, seja o tempo de trabalho semanal, seja o tempo de trabalho até a idade da reforma. Agora, a restrição do confinamento obriga-nos a rever um pouco a nossa relação ao tempo, o laço entre tempo e bem-estar, o sentido que demos ao nosso trabalho, e o luxo que supõe o simples fato de não fazer nada, de ter tempo para si e seus próximos. Sem esquecer o fato que uma mortalidade importante ligada ao coronavírus poderia incentivar a ir mais longe, questionando a utilidade real de horas passadas a trabalhar.

As ruas de Paris desertas, aqui ao anoitecer, em Março passado, à proximidade do Louvre.

As ruas de Paris desertas, aqui ao anoitecer, em Março passado, à proximidade do Louvre.

Revalorizar os empregos do care: uma revolução das hierarquias sociais?

O confinamento não foi possível para todos. A situação revelou pesadas fraturas sociais. Fratura escolar, primeiramente, pois o princípio da « escola à distância » cria assimetrias consideráveis, entre os que têm Internet e os que não têm, ou ainda entre os que têm familiares para os ajudar a acompanhar as lições e as tarefas à distância, e os que estão sozinhos ou sem apoio suficiente para isso. Mais do que nunca, essas realidades, apesar da boa vontade dos professores e das iniciativas originais para assegurar a continuidade do ensino, ilustram as divergências sociais que transcendem o sistema escolar.

Fratura profissional, em segundo lugar. Em certos casos onde tele-trabalhar revelou-se impossível, o confinamento traduziu-se simplesmente pela parada de atividade, o que, claro, sancionou as e os que têm uma situação profissional precária. Alguns até tiveram que continuar, apesar dos riscos de exposição à doença, como os entregadores de grandes empresas como Uber Eats ou Deliveroo. De fato, sabemos que o estatuto de independente é sempre fictivo nesses empregos nascidos de processos de uberização. Em alguns países como na Alemanha, no Reino-Unido, na França e até nos Estados-Unidos recentemente, decisões de justiça derem razão a entregadores ou a motoristas que reclamavam o reconhecimento do laço de subordinação existente entre eles e as empresas para quem trabalham, seja Take Eat Easy, Uber ou outras. O modelo de exploração dessas empresas ainda não foi, no entanto, totalmente questionado, e por isso, seria necessário leis nacionais claramente restritivas. Obviamente, essas grandes sociedades têm amplamente os meios financeiros de pagar corretamente as pessoas (pelo menos ao salário mínimo) – por lembrança, a capitalização de Uber está atualmente a cerca de 57 bilhões de dólares – e de dar-lhes um estatuto realmente salariado (mais protetor do que o de independente).

Outras profissões, precárias ou não, mal pagas ou não, viram obrigadas a continuar o trabalho, às vezes a um ritmo relativamente reduzido, porque eram tarefas indispensáveis: colecta do lixo, engenharia do gás e da eletricidade, limpeza pública, transportes públicos, caixas de supermercados... Ironicamente, são profissões manuais e socialmente desprezados que são mais valorizados nessa altura de crise, descritos como « heróis » numa « guerra » contra um inimigo invisível. Mais do que nunca, empregos do laço, do care, muitas vezes muito precários em termos de estatuto, aparecem agora determinantes. As « pequenas mãos » têm que trabalhar apesar dos riscos, enquanto o papel dos quadros, das elites intelectuais, classe média ou alta, parece bem menos essencial. Inverterem-se as hierarquias. Mas pouco provável que essa visão permanece além da crise, e que traduz-se por uma revalorização desses empregos, muitas vezes ocupados por mulheres.

Igualmente, uma reflexão sobre a crise não pode esquecer uma análise sobre a situação do hospital público, um lugar que concentra muitos empregos do care. O número de mortos em países como a Itália, a Espanha e a França explica-se por vários fatores, mas um deles é obviamente as políticas de austeridade, as estratégias contabilistas que foram adoptados nas duas últimas décadas, que tiraram aos serviços de emergências e aos hospitais muitos meios. Os serviços de reanimação, nesses três países, são saturados. Em França por exemplo, 100 000 camas foram fechadas nos vinte últimos anos (dado de 2018), ou seja, 20% das capacidades dos hospitais franceses, enquanto na mesma altura, o número de pacientes na Emergências dobrou. E quando chegou a crise na França, já fazia quase um ano que dezenas de serviços hospitaleiros estavam em greve para reclamar condições dignas de trabalho e mais meios para poder assumir corretamente o seu papel de serviço público, em vão. Agora, os serviços de emergência e de reanimação estão saturados e faltam cruelmente de material (máscaras, aparelhos respiratórios...), em particular na região parisiana, no leste e no norte do país. O exército até foi enviado para apoiar os hospitais, por exemplo para criar hospitais provisórios ou ajudar no deslocamento de doentes.

As faltas aparecem. Nos Estados-Unidos, primeira potência mundial, estima-se que o milhão de camas disponível é insuficiente para assumir o aumento exponencial das pessoas afectadas: representa 2,8 camas para 1 000 habitantes, contre 12,3 em Coreia do Sul, 4,3 na China, 3,2 na Itália... Valores que podem explicar (por parte) o fraco número de mortos na Coreia do Sul. Igual na Alemanha, onde, com 25 000 camas de cuidados intensivo com assistência respiratória, os serviços de saúde são bem equipados, e ainda estão sendo aumentados; por comparação, a França tinha uns 7 000, e a Itália uns 5 000, quando iniciou-se a crise. Cada vez mais, vê-se « racionamento de saúde », um pesadelo para os cuidadores, obrigados a decidir quais pacientes devem ser tratados em prioridade. No início de Março, o governo Giusippe Conte anunciou o envio de 20 000 fortalecimentos (médicos, enfermeiros, etc.) nos hospitais da península, aumentando por 50% o número de camas en cuidados intensivos e dobrando o número de lugares nos serviços de pneumologia e doenças infeciosas. Nestes últimos dias, até Cuba enviou uns cinquenta médicos para fortalecer os serviços de saúde na Itália.

Países tão ricos têm a capacidade de assegurar uma saúde pública, gratuita, universal. Além disso, quando se faz constantemente trabalhar os profissionais de saúde em fluxos tensos como foi o caso nos últimos anos, não só desmotiva-se as pessoas que ocupam esses empregos, como também se cria situações dramáticas em caso de crise grave. A ilustração em direto.

No plano social, entre os grandes esquecidos da crise, podemos notar os sem domicílio fixo, pois as distribuições alimentares são amplamente reduzidas e limitadas, e porque a diminuição dos fluxos de pessoas nas ruas induz inevitavelmente uma diminuição dos atos de caridade. Ai também, os governos deixaram desenvolver situações de grande pobreza, que acentuam-se dramaticamente em tempos como esses. Preocupados a salvar as empresas e a economia, e a assegurar o funcionamento dos serviços de saúde, muitos governos ignoram totalmente a situação dos mais fracos, idosos pobres, pessoas sem casa, migrantes ilegais, etc. Essa sequência é a ocasião de constatar atos de solidariedade muito fortes, mas também o isolamento desesperante de grandes partes da população. Os exemplos de decisão corajosa são raras. Entre elas, por exemplo, em 28 de Março, as autoridades portuguesas anunciaram a regularização de todos os imigrantes que estavam esperando uma autorização de residência, uma medida excepcional e temporária, mas bem vinda, não só para que eles pudessem beneficiar das medidas de proteção relativas ao COVID-19, mas também, muito razoavelmente, porque ninguém tem interesse em ter potencialmente pessoas doentes no território (sejam elas estrangeiras ou não).

Para aceder à segunda parte do artigo: Que lições tirar da crise do COVID-19? (2/2) Reforma pós-crise do modelo econômico: quais riscos, quais oportunidades?

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